Nemias Queta. Uma reflexão!

Na madrugada do passado dia 30, 6ª feira, de julho, o Basquetebol português e o Desporto Nacional alcançaram um feito histórico. Nemias Queta foi escolhido no draft para integrar a Liga Norte-Americana de Basquetebol profissional, a mítica NBA.

Aos 22 anos, Nemias Queta tornou-se o primeiro basquetebolista português a integrar a NBA, cumprindo assim um sonho que desde criança trazia consigo e que com toda a convicção e determinação, repetidas vezes afirmava, que haveria de conseguir realizar.

Menino simples e humilde, filho de pais guineenses, nascido em Lisboa, foi crescendo no Barreiro, no Vale da Amoreira, bairro onde nem sempre é fácil sobreviver e as dificuldades e as injustiças sociais se mostram à luz do dia. Frequentou a Escola Secundária da Baixa da Banheira, certamente aí e na rua com os seus amigos, foi despontando e crescendo o interesse e o gosto pela nossa modalidade, o Basquetebol.

A partir dos 10/11 anos inicia a sua aprendizagem organizada, no F. C. Barreirense, clube histórico e conhecida escola de formação de praticantes. Aí se mantém até 2017, jogando nos SUB 14; SUB 16 e SUB 18. Nele, se vai manifestando cada vez mais, com a ajuda dos seus treinadores, o sentimento de entrega, de paixão, compromisso com o Basquetebol. Muitas foram as vezes, que se deslocou a pé desde o seu Bairro, de casa de seus pais, até ao Pavilhão do Barreirense para cumprir e realizar o treino com os seus companheiros.

Apesar das adversidades da vida, cada dia que passava, fervilhava e crescia o seu sonho de um dia chegar à NBA. Poucos, dos que com ele conviviam, achavam que tal viria a ser possível, riam-se mesmo, como afirma, quando ele convictamente o referia. Em 2017/18 vai para o Benfica já na sua última época de SUB 18, mas joga essencialmente na equipa B-Proliga poucas vezes e pouco tempo na equipa principal. No final desse ano/época, 2018, através de uma bolsa universitária, ruma aos UTAH STATE AGGIES, do campeonato universitário, firme e convicto de que o seu sonho, cada vez mais presente, se concretizaria.

Os seus sucessos individuais e colectivos começam a acontecer. Numa jornada empolgante, que Matosinhos assistiu, sagra-se campeão Europeu de SUB 20, Divisão B, representando a Seleção Nacional e é considerado o melhor poste desse Europeu (2018).

Seguem-se três anos no Basquetebol universitário (NCAA), na universidade de UTAH STATE, ao serviço dos AGGIES, sendo fundamental o seu contributo para o sucesso colectivo da equipa, com a qual alcança a vitória na Conferência Mountain West em 2019 e 2020. É considerado o rookie do ano em 2019 e o melhor defensor da Conferência em 2019 e 2021. Na época de 2020/21 é um dos quatro finalistas ao prémio do melhor defesa do ano da NCAA. Pelo meio, em 2019 declarou-se elegível para a NBA, mas acabaria por recuar consciente que algo mais haveria a aprender, para alcançar o almejado objectivo do seu sonho, entrar na NBA.

Finalmente, em Julho 2021 é a 39ª escolha do DRAFT pelos Sacramento Kings, num leque de 100 candidatos, para 60 vagas possíveis. Curiosamente uma escolha que o leva até à Califórnia, na mesma cidade, Sacramento, onde brilhou essa referência maior do nosso Basquetebol português e feminino, a Ticha Penicheiro.

Não temos dúvidas, da importância e da honra que constitui este facto para o Desporto Português e em particular para o nosso Basquetebol.

O Nemias ao alcançar o seu sonho de menino, feito histórico, vai certamente trazer uma dinâmica de promoção acrescida para o nosso Basquetebol, em especial junto dos mais jovens, que até aqui não tínhamos conseguido. Contudo, não queremos deixar de refletir sobre este facto.

Na verdade, o Nemias vai agora entrar noutro patamar do seu sonho, talvez o mais difícil, em que passo a passo, etapa a etapa, tem de estar consciente de que este é só o princípio do percurso de um caminho, que sempre ambicionou, qual sonho feito realidade. Mas vai precisar de tempo para evoluir, para ser e fazer melhor, para se superar, para enfrentar e resistir a qualquer adversidade. As informações e os resultados que nos vêm chegando deste seu início, são francamente animadoras e positivas. A propósito deste seu feito, dizia a Ticha Penicheiro: “a sua ida para Sacramento é o lugar perfeito para iniciar a carreira. Focar-se nos seus objectivos. Agora é que começa o trabalho a sério e a necessária dedicação, tem porte físico, tem talento, vontade e trabalho e a ética desse trabalho, por isso reúne as condições desejadas para o sucesso”.

Nós também pensamos e afirmamos, que é preciso ter os pés bem assentes na terra, manter a humildade e o caracter, não esquecer o que e como tem sido feito e a origem. Pelo seu percurso até aqui, pelo próprio discurso que temos assistido, parece-nos e assim o desejamos, que está bem consciente, de que outra atitude e postura, não têm lugar nesta sua aventura, neste sonho de menino, que agora começa a materializar-se.

Aqui, lhe deixamos esta ideia, que certamente bem conhece “há os que querem e não podem”; “há os que podem e não querem”. “Só os que podem e querem” conseguem chegar ao fim da estrada e para nós o Nemias é um destes.

Com este feito histórico, tornou-se um símbolo e uma inspiração para os nossos jovens praticantes e até pelas suas origens, para o combate a fenómenos sociais indesejáveis, como o racismo e a xenofobia. O seu talento, o seu esforço e trabalho demonstrados ao longo deste tempo, denotam estar preparado, para reagir a qualquer espinho, que possa encontrar pelo caminho.

Lança-nos também um conjunto de interrogações, que não queremos deixar de partilhar, já que nos inquietam. Atentemos:

• Quantos jovens não terão passado ao lado de oportunidades destas?
• Que oportunidades lhes terão sido proporcionadas?
• Haverá mais “meninos” e mais “Vales da Amoreira”?
• Como trabalhamos com os nossos jovens? Com que rigor? Com que intensidade? Com que atenção?
• Que tempo lhes damos? E como os acompanhamos?
• Não queimamos muitas vezes etapas essenciais do seu crescimento?
• Não pensamos muitas vezes, primeiro no resultado desportivo imediato e menos na formação e desenvolvimento dos praticantes?
• Que registos vamos fazendo da sua evolução e do seu percurso de aprendizagem e assimilação de conhecimentos?

O Nemias, a partir de agora tornou-se uma referência maior para o nosso Basquetebol, mas também um enorme desafio à reflexão de todos nós – dirigentes; treinadores; árbitros; praticantes; famílias. Recentemente, após os resultados olímpicos e numa mensagem aos mais jovens dizia Patrícia Mamona: “não é só talento, é trabalho, muito trabalho”. “Acreditem nos vossos sonhos, se acreditam sigam em frente”.

Não percamos mais tempo, nem tenhamos tabus para criar condições, pelo menos para uma reflexão mais profunda e séria sobre a nossa modalidade, o Basquetebol, sobre o Desporto Português no seu global.

É que o tempo passa e outro ou mais Nemias podem estar a perder-se.

Foto: Sacramento Kings